Porfirias hepáticas agudas – quando pensar e como confirmar o diagnóstico?

Inicialmente, é necessário saber que alterações no metabolismo do heme causa esse grupo de doença chamado de porfirias. Durante a crise, a deficiência parcial de uma das enzimas da síntese biológica do heme no fígado resulta na deficiência de heme (necessário para a síntese de várias proteínas, dentre elas, a hemoglobina) e acúmulo de precursores do Heme (que são tóxicos e geradores dos sintomas).

É mais comum em mulheres, nas 2ª a 4ª décadas de vida.

Existem algumas formas de classificar as porfirias. 1) De acordo com as manifestações clínicas – aguda ou cutânea; 2) De acordo com o local de produção dos precursores do heme – hepática ou eritropoiética.

O texto foca nas quatro porfirias que compõe o grupo de porfirias hepáticas:

– porfiria aguda intermitente;

– porfiria variegata;

– coproporfiria hereditária,

– deficiência de ALAD (a mais rara de todas)

De modo geral, os sintomas são crises recorrentes de dor no abdome (que pode se iniciar na região lombar) e sintomas de perda de força ou alteração de sensibilidade nos membros. Sinais como urina escura e taquicardia (imotivada) complementam o quadro clínico. A intensidade dos sintomas varia muito. Serve de diagnóstico diferencial: endometriose; doença nas vias biliares; abdome agudo inflamatório; doenças inflamatórias intestinais; bridas; intoxicação exógena (ex: chumbo), entre outras.

DIAGNÓSTICO: Na suspeita de crise, o teste mais importante para diagnóstico continua sendo a dosagem de porfobilinogênio (PBG) e ácido deltaminolevulínico (ALA) na urina. A dosagem desses metabólitos no sangue não parece ter valor. A urina coletada para realizar o exame precisa de cuidados especiais e frasco próprio (laboratório fornece), sendo o principal, a proteção da luz.

O pedido para coleta inicial pode ser:

ALA – exame quantitativo em amostra de urina isolada

  +

PBG – exame qualitativo em amostra de urina isolada.

Caso esses exames acima sejam positivos, inicia-se o tratamento e segue-se outro exame de urina de 24h para quantificação do PBG. Frasco próprio e também fotoresistente.

Infelizmente, os resultados ainda demoram mais de uma semana, sendo assim, se aconselha iniciar o tratamento nos quadros clínicos com forte suspeita, mesmo antes do resultado. Já existem estudos para desenvolvimento de testes urinários “a beira leito” para agilizar a confirmação da crise, porém, ainda não disponíveis no Brasil.

Os testes genéticos são os únicos capazes de definir o tipo específico de porfiria, pois os sintomas são semelhantes em todas. Esses testes são importantes para o aconselhamento genético da família. Ressalta-se que estes testes não são utilizados para a identificação de crises de porfiria e que a análise do teste genético deve ser feita por um médico com experiência na doença.

TRATAMENTO: No momento existem duas medicações disponíveis para tratamento de porfirias agudas; a Hemina e a Givosirana. As medicações têm funções diferentes e devem ser usadas em momentos diferentes do curso da doença.

HEMINA (Panhematin®)- é a escolha para tratamento da crise aguda de porfiria. Iniciada após 24-48h de Glicose (400g/dia) – por também ter ação na cascata de produção do heme. A hemina atua inibindo a via do heme e, em poucos dias, reduz a produção de porfobilinogênio (PBG) e de acido deltaminolevulínico (ALA) que são os principais causadores de sintomas da crise. A demora na suspeição da crise, associada a demora no início dessa terapia, pode impactar no prognóstico e sequelas crônica do paciente.

GIVOSIRANA (Givlaari®) – Uso em pacientes com crises recorrentes (pelo menos 4 crises de porfiria no período de 1 ano – pelo estudo que gerou a aprovação da medicação pelo FDA). Medicação age através de RNAi (RNA de interferência) que tem carreador e tropismo apenas nos hepatócitos, entrando em ação e reduzindo níveis de ALA e PBG (em 77% do níveis de crise), em 1 semana.  Já se discute se há indicação em usar Givosirana na crise, porém o consenso é que não há estudos mostrando sua eficácia durante a crise de porfiria.

ACOMPANHAMENTO CLÍNICO:

  • Fora de crise: Avaliações clínicas regulares são preconizadas (3-6 meses de intervalo) e dosagem de porfobilinogênio (PBG) e ácido deltaminolevulínico (ALA) na urina (deve ser feita pelo menos uma vez por ano em todos os pacientes – mesmo que estejam sem sintomas). Excretores crônicos tem mais risco de evoluir com complicações, entre elas, o carcinoma hepatocelular e a doença renal crônica.
  • Na crise: as dosagens de PBG e ALA na urina como descrito acima devem ser realizadas durante sintomas. Principalmente pelo fato de ser um registro oficial que o paciente está em crise e necessita de medicação para tratamento.

As informações sobre as doenças raras estão em constante mudança e descobertas. Difundir o conhecimento existente é fundamental para se evitar o diagnóstico tardio e complicações.

O GFRJ se deixa a disposição para auxílio aos médicos para dúvidas sobre diagnóstico e manejo terapêutico. O paciente deve procurar um médico para investigação e auxílio.

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Bibliografia utilizada:

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por Cibele Franz Professora do Serviço de Gastro/Hepatologia – UNIRIO, Médica do Serviço de Medicina Interna – HFSE/RJ, Mestre em Clínica Médica (Hepatologia) – UFRJ, Vice-presidente do GFRJ (biênio 2021-2023