Confira destaques do novo Guia Prático de Avaliação Clínica e Manejo da Doença Hepática Gordurosa Não Alcóolica da AASLD

A Associação Americana para o estudo das Doenças Hepáticas (AASLD) publicou agora no início do ano um novo Guia Prático de Avaliação Clínica e Manejo da Doença Hepática Gordurosa Não Alcóolica (DHGNA). Os autores não entram no mérito da discussão da nomenclatura, que ainda aguarda a finalização de um longo processo de debates e consenso entre especialistas. O guia se concentra em recomendações práticas para auxiliar na conduta diagnóstica e terapêutica do paciente com DHGNA.

É fato que muitos pacientes procuram assistência médica por esteatose em exame de imagem e ou elevação de enzimas hepáticas.  A avaliação clínica da DHGNA inclui investigação de: obesidade e padrão de distribuição da gordura corporal, comorbidades endócrinas e metabólicas, ingestão de bebidas alcoólicas (duração, quantidade, frequência), outras causas de esteatose ou demais hepatopatias, história familiar de cirrose por NASH (esteatohepatite) sintomas e ou sinais de hepatopatia crônica, hipertensão porta e de resistência à insulina, como acantose e acúmulo de tecido adiposo na região cervical posterior.

A prevalência global da DHGNA é de cerca de 25-30%. Em geral, é de natureza silenciosa, mas de caráter progressivo, podendo evoluir para cirrose e predispor ao aparecimento de carcinoma hepatocelular. O Guia da AASLD afirma que indivíduos de alto risco para progressão da DHGNA (indivíduos com DM2, obesos com complicações metabólicas, parentes de primeiro grau de pacientes com cirrose por NASH e aqueles que referem ingestão moderada de álcool: > 20 g em mulheres e 30 g em homens) devem ser avaliados para a presença de fibrose avançada. No entanto, consideram que não há indicação de rastreamento de DHGNA na população geral.

A prevalência de fibrose avançada no âmbito da atenção primária é bem menor que nos consultórios de hepatologia e gastroenterologia. Nesse contexto, o objetivo é identificar os pacientes que não apresentam fibrose avançada e que devem permanecer em acompanhamento na atenção básica. Para isso, preconiza-se o uso de um teste de alto valor preditivo negativo e baixo custo, o Fib 4. Assim, o teste é sugestivo de baixo risco de fibrose avançada quando o Fib 4 for inferior ao valor de 1.3.  Por outro lado, aqueles pacientes que apresentem o Fib 4 indeterminado ou sugestivo de fibrose avançada (Fib 4 ≥ 1.3) devem ser avaliados por novos testes não invasivos. Elastografia hepática transitória (EHT) pelo Fibroscan (rigidez hepática < 8.0 kPa), Elastorressonância (rigidez hepática < 2.55 kPa) e um teste patenteado denominado ELF < 7.7 são os métodos não invasivos recomendados para exclusão de fibrose avançada. Se nessa segunda avaliação, persiste um resultado também indeterminado ou de alto risco para fibrose avançada, o paciente deve ser encaminhado para avaliação do especialista e possível intervenção.

A meta nos ambulatórios de especialidade é identificar pacientes com NASH em risco de progressão ou aqueles que apresentam fibrose avançada. Testes não invasivos em sequência (Fib 4 + EHT, elastorressonância ou ELF) podem ser utilizados para a confirmação da presença de fibrose avançada.

A biópsia hepática deve ser considerada quando há incerteza diagnóstica: outras possíveis etiologias, elevação persistente de aminotransferases, testes não invasivos indeterminados ou que estão em desacordo com outras características clínicas, laboratoriais, radiológicas sugestivas de fibrose avançada.

Ainda em relação aos testes não invasivos para determinar a presença de esteatose e avaliação de fibrose, há algumas inclusões e/ou exclusões que podem suscitar algumas dúvidas ou questionamentos: Valores de aminotransferases normais adotados pelos laboratórios são superestimados. ALT>30 UI deve ser considerada elevada. Embora a US (ultrassonografia) possa detectar a presença de esteatose, não é recomendada como método para definir a presença de esteatose por apresentar baixa sensibilidade. CAP (parâmetro de atenuação controlada) pode ser utilizada como ferramenta para identificar esteatose (ponto de corte ≥288 dbm). A RNM com PDFF é superior na identificação e quantificação da esteatose hepática. Demais técnicas de elastografia e escores compostos por exames laboratoriais e valores de rigidez hepática não foram incluídos nas recomendações por ainda necessitarem de maior validação de pontos de corte.

Tratamento

Perdas de peso de 3 a 5% diminuem esteatose, enquanto perdas > 10% levam à regressão de NASH e também de fibrose. Em relação às mudanças de estilo de vida, dieta hipocalórica para pacientes com sobrepeso e ou obesidade e um programa regular de atividade física individualizado para todos os pacientes com DHGNA. Os autores consideram a cirurgia bariátrica/metabólica para pacientes que apresentem os demais critérios clássicos para o procedimento, reconhecendo o percentual elevado de resolução de esteatose e NASH e a redução de mortalidade por causas cardiovasculares e neoplasias extra-hepáticas.

A ingestão de álcool pode ser um cofator para a progressão da doença e deve ser sempre abordada durante o acompanhamento de pacientes com DHGNA. Em pacientes com fibrose maior ou igual a F2, recomenda-se abstinência total.

Apesar da falta de medicamentos aprovados pelas agências reguladoras para DHGNA, o uso de fármacos para as comorbidades metabólicas e com potencial benefício na DHGNA são considerados na dependência do contexto clínico: Semaglutida em pacientes com obesidade e/ou DM2, com benefícios cardiovasculares e regressão de NASH; Pioglitazona em pacientes com DM2 e NASH. Já em relação à Vitamina E, recomendam uso restrito a pacientes selecionados, com a justificativa de regressão de NASH em indivíduos sem DM2. Com relação à dislipidemia: Recomenda-se o uso de estatinas para redução do risco cardiovascular em todo o espectro de DHGNA, incluindo cirróticos compensados. Naqueles descompensados, há incerteza do benefício e segurança das estatinas. No entanto, o seu uso com monitorização cuidadosa pode ser considerado. Hipertrigliceridemia pode também ser tratada com mudanças de estilo de vida e medicamentos, como fibratos, ômega 3 ou éster purificado do EPA.

DHGNA é mais comum em homens com deficiência de androgênios, mas não há evidências na literatura para a mensuração de rotina dos níveis séricos de testosterona. O tratamento está indicado em vigência de sintomas e sinais de hipogonadismo.

Considerações sobre o futuro da DHGNA

O tratamento da DHGNA é um dos assuntos do momento na hepatologia. O número de estudos clínicos em NASH aumentou exponencialmente nos últimos 10 anos. Num futuro próximo são aguardados novos fármacos com comprovada eficácia e bom perfil de segurança.

Grande expectativa de usar um ou mais testes não invasivos para avaliar inflamação e/ou fibrose, monitorar a resposta a intervenções terapêuticas e para prever os desfechos clínicos de longo prazo. Foram explorados limiares de queda da ALT, do % de esteatose na RNM com PDFF, alterações dinâmicas nos valores de rigidez hepática na EHT por Fibroscan e Elastorressonância que parecem se traduzir numa melhora histológica da atividade inflamatória.

Enquanto seguimos na contagem de tempo para reduzir a necessidade da análise histológica para avaliação prognóstica e monitorização da resposta terapêutica, novos avanços pretendem reduzir a variabilidade na interpretação da biópsia hepática. Técnicas de inteligência artificial pretendem transformar o sistema de avaliação semiquantitativa de graduação e estadiamento da DHGNA em uma escala contínua de graduação de esteatose, inflamação e fibrose.